Ainda a propósito do livro Que importa a fúria do mar, de Ana Margarida de Carvalho.
Eu nunca tinha pensado nessa questão de ser uma rua, embora já tenha percorrido algumas que, de algum modo, me aconchegaram a alma e me fizeram sentir em casa. Lisboa tem algumas ruelas dignas desse efeito, Florença também, Paris, Roma... algumas cidades de Creta nos presenteiam com ruas apaixonantes,… mas acho que ainda não dei por mim naquela rua que poderia ser EU. O que me fez refletir sobre isto foi este excerto do último romance«Que Importa a Fúria do Mar»:
«Sim, se ela fosse rua, era a Jakubská Ulice. Aquela rua na Cidade Velha de Praga que lhe levou não mais de dez minutos a trilhar. Entre vendilhões e a freguesia ofegante, entre marionetas, ímanes de frigoríficos, postais de Mucha, cristais da Boémia, turistas e carteiristas, ela não via apenas opticamente (…). Ela respirava uma golfada daquela cidade, talvez o cenário humano mais emocionante do planeta, um Aleph de paredes que contêm em si todas as variantes arquitetónicas. Todos os tempos por ali passaram e deixaram rasto, uma marca qualquer, como nas sequoias gigantes de Vertigo. As cúpulas românicas, os arcos em ogiva góticos, um pedaço de arquitetura romântica, um vitral renascentista, uma esquina barroca, uma fachada clássica, o maravilhoso art noveau que nem o sovietismo conseguiu acinzentar… É o que acontece às cidades com personalidade própria, absorvem todas as influências alheias, concentram-nas, fundem-nas, reciclam-nas, centrifugam-nas… Uma tese e uma antítese de estilos rivais e adversários, mas que não se combatem, antes se associam numa síntese, e isto deve estar muito próximo da perfeição.»
Para quem já «trilhou» as ruas de Praga, não será difícil rever-se por lá através desta descrição. Para quem, como eu, ainda lá não foi, também não será difícil rever aqui outras ruas da velha Europa, no entanto, fica a vontade de abreviar o encontro com esta cidade e com a rua que poderá abarcar o meu corpo e a minha alma…
(Foto do Google)

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