sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Das minhas leituras...

O livro «o remorso de baltazar serapião» não deixa dúvidas acerca do talento de Valter Hugo Mãe. Neste romance, ele (re)cria a mundividência medieval de um modo criativo e pertinente, utilizando uma linguagem também ela própria recriadora do contexto temporal. É claro que o que se conta é uma história repleta de violência medieval, violência psicológica, física e sexual que tem como principal alvo as mulheres, cuja desgraçada condição é aqui tremendamente explorada, mas também nos faz sorrir com o ridículo de determinada maneira de pensar ou de agir e que o narrador, baltazar Serapião, de um modo até inocente e engraçado, relata. O remorso de baltazar serapião, que casa com a bela ermesinda e tal é o medo de estar a ser encornado que a vai «mutilando» a cada acesso de raiva, podia ser também o remorso de seu pai, afonso serapião, que, como o filho, entortou um pé à mulher e arrancou-lhe as entranhas por achar que o inchaço do abdómen era uma gravidez ilegítima, ou até o remorso de dom afonso, o explorador sexual das criadas, dono das terras onde a família serapião sobrevive e se auto-destrói, ou mesmo o remorso do próprio el-rei, que pouco se importava com as verdadeiras condições em que vivia o seu povo ou com a violência com que agiam, por andar mais preocupado com os seus luxos.
O remorso de baltazar é, na verdade, o remorso de muitas gerações de homens que maltrataram as mulheres, que as subestimaram, que sobrepuseram os preconceitos religiosos e as superstições ao amor, à amizade, aos laços familiares, ignorando a dor que era infligida em nome de uma honra duvidosamente mantida. baltazar amava ermesinda pela sua beleza e candura, mas nunca foi capaz de a defender, de a preservar, só porque era mulher e porque o mais certo era ser culpada… Quando a defende, é tarde demais. Um livro verdadeiramente absorvente.

Inicia-se assim…

«a voz das mulheres estava sob a terra, vinha de caldeiras fundas onde só diabo e gente a arder tinham destino. a voz das mulheres, perigosa e burra, estava abaixo de mugido e atitude da nossa vaca, a sarga, como lhe chamávamos.
mal tolerados por quantos disputavam habitação naqueles ermos, batíamos os cascos em grandes trabalhos e estávamos preparados, sem saber, para desgraças absolutas ao tamanho de bichos desumanos. tamanho de gado, aparentados de nossa vaca, reunidos em família como pecadores de uma mesma praga. maleita nossa, nós, reunidos em família, haveríamos de nos destituir lentamente de toda a pouca normalidade.» (p. 13)
 
 

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sonoridades...

Proposta de banda sonora para hoje... The Loafing Heroes, «Dancing Days».
 
 

Encontros improváveis...

O único livro de João Tordo que li não me agradou. «O Bom Inverno» é demasiado cinematográfico para o meu gosto, não delicia com a escrita nem com as ideias. A história, na minha ótica, é banal. Mas... se o escritor ainda não me convenceu, já do homem não poderei dizer a mesma coisa. É alto, usa uns óculos que lhe caem bem, tem barba e bigode, é talentoso com o contrabaixo... São ou não são qualidades a ter em conta?
 
No dia 17 de agosto, sábado, para minha surpresa, João Tordo estava no passeio marítimo que se inicia no Cais do Sodré e vai até ao Cais das Colunas, na Praça do Comércio. Acho que se chama Avenida Ribeira das Naus. É um lugar lindíssimo, apropriadíssimo para uma passeata matinal, sem pressas, sem stress, desfrutando da luz imensa, do brilho incandescente do sol refletindo-se no Tejo, da azáfama de pessoas que sempre me parecem interessantes e que por ali costumam estar. Nessa manhã, João Tordo também lá se encontrava, como já disse, acompanhado dos restantes membros do seu quinteto musical, os «The Loafing Heroes». Penso que se preparavam para filmar um vídeo clip, mas não tenho a certeza. O que sei é que o senhor foi tocando sozinho, aos pouquinhos, e encantou(-me). Enquanto pude, não arredei pé. Mas soube mesmo a pouco... Gostava de poder assistir a um concerto de todo o grupo. Infelizmente, não deu para esperar que tocassem algo do início ao fim porque o sol começava a fustigar, e aquele é um lugar muito interessante pela matina ou ao fim da tarde, todavia, chegadas as onze horas... é a torreira!!
 
Aqui ficam os registos fotográficos para memória futura de um encontro tão improvável, mas agradável, agradável.
 


 
 
 

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Sonoridades...

E a banda sonora para hoje é... «I love you», de Woodkid. Bem alto, por favor!!!

As andanças do blogue no verão (parte I)...

Uma das cidades mais bonitas que conheço. De cada vez que lá vou, há sempre uma nova descoberta, uma ruela que convida a ser percorrida, uma escadaria que conquista e obriga ao esforço da subida, uma livraria onde ainda não tinha entrado, um jardim que se oferece, uma avenida que se insinua, uma igreja que acolhe, um miradouro que abre uma nova perspetiva, um edifício cuja arquitetura antiga e mesmo decrépita surpreende, um bairro que exige ser descoberto, uma animação de rua que faz parar... Lisboa mostra-se-me sempre diferente...

Ficam aqui alguns apontamentos fotográficos das andanças pela metrópole...

(Fotos minhas)



























Sintra também desperta sempre todos os sentidos de quem a visita, mesmo repetidamente...








Cascais não impressiona, mas aqui ficam dois apontamentos fotográficos...



terça-feira, 27 de agosto de 2013

De regresso

Quem bom que foi regressar à ILHA e encontrá-la assim: azul, verdejante, soalheira, hospitaleira, inspiradora... a (re)lembrar-me de que «o meu lugar» é um dos mais belos que o mundo tem.
 
(Fotos minhas)
 


 

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Férias

Este blogue vai partir em andanças... Até já!


Arte

Adoro fotografia, principalmente quando, além de arte, é documento histórico...


Fotos de Eduardo Gageiro - da Revolução de 25 de abril de 1974 à Mulher Portuguesa...
 
 
 
Há já um tempo que andava curiosa acerca da fotografia de Eduardo Gageiro, mas ainda não tinha investigado sobre o assunto. Ouvi pela primeira vez falar deste nome no programa radiofónico «A Força das Coisas» (Antena 2) e, depois, num outro programa, da Antena 1, «Vidas que contam».  As suas fotografias estão repletas de História e algumas delas possibilitaram mesmo o registo para memória futura de momentos que o fotógrafo testemunhou durante a Revolução de 25 de abril de 1974. Uma destas fotos (a do General Spínola) valeu-lhe mesmo um prémio do World Press Photo.

Foi no  programa «Vidas que contam» de domingo passado, 11 de agosto de 2013, que o ouvi discorrer sobre algumas dessas suas fotos e a importância que tem a História que contam. Fiquei sobretudo impressionada pelo modo como falou da Mulher da Nazaré (destacada acima!), uma foto que mostra a miséria que se vivia em Portugal durante o Estado Novo e que, por isso, foi razão para Eduardo Gageiro ter sido preso pela PIDE. A mulher da Nazaré não é mais do que uma pobre viúva que ganhava o pão na praia, ajudando os pescadores em tarefas duras e mal pagas. No entanto, a foto não evidencia só a sua mísera condição, também transmite a sua capacidade de liderança, a sua força, a determinação com que cumpre a sua missão, caminhando e agarrando a corda sem sequer olhar para trás. A indumentária negra e triste endurece-a e, ao mesmo tempo, mostra a sua vulnerabilidade, a vulnerabilidade de quem luta só, sem qualquer aparo.
 
De determinação, altivez, emancipação e independência femininas também falam as fotos com que o mesmo fotógrafo eternizou Sophia de Mello Breyner Andresen e Amália Rodrigues...

(Fotos retiradas de Google)
 

 

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Das minhas leituras...

Terminei esta leitura há pouco tempo e fi-la por mero acaso. No entanto, valeu a pena por me ter feito pensar sobre um tema tão a propósito: a política e o atual descrédito em que mergulhou. Numa altura em que, por diversas vezes, já me passou pela cabeça que o mundo passava bem sem política e políticos, Innerarity fez-me perceber que o mundo precisa e muito! de uma política eficaz, livre de corrupção, com capacidade para ser força de inovação e de transformação, sendo mesmo impossível dissociar uma democracia saudável de uma política competente. E é de eficácia que, em última análise, este filósofo fala, mostrando que a eficácia da política e dos seus agentes políticos passa por decisões direcionadas para o futuro, ou seja, o «porvir», para o longo prazo e não apenas para o curto prazo, para o tempo de legislatura, para a urgência do presente, dos mercados, negligenciando as consequências que advirão para as gerações vindouras. Aliás, a crise que estamos a viver não é mais do que o futuro que resultou de uma visão política temporalmente limitada, o que significa que somos o futuro feito das consequências não prognosticadas no presente de outrora («Transformámos o futuro na lixeira do presente.»). Assim, neste livro, aos conceitos de DEMOCRACIA e de FUTURO, Innerarity alia os de TEMPO, RESPONSABILIDADE, PROGRESSO e ESPERANÇA, que devem ser repensados e renovados, se quisermos atuar eficazmente sobre o mundo que temos e tornarmo-nos capazes de configurar o futuro que desejamos, imaginando-o, pensando-o, projetando-o e construindo-o, através de uma política renovada, que não deixa o «porvir» ao acaso, que age sobre ele e é capaz de transformar em oportunidade a incerteza que caracteriza o que nos espera.

Fica aqui um excerto…

«O problema das nossas democracias reside em o antagonismo político estar absorvido pelo presente. Vamos vivendo à custa do futuro, numa completa irresponsabilidade em relação a ele. A lógica do just in time e do curto prazo manifesta-se em fenómenos muito variados: na hegemonia da lógica dos mercados financeiros, que se impõe acima de outras dimensões da economia; na pressão exercida pelo tempo dos meios de comunicação, perante a qual o sistema político mostra uma preocupante vulnerabilidade; no sensacionalismo que antepõe o espectacular e o catastrófico, por exemplo, ao apoio ao desenvolvimento; na concepção instantaneísta da democracia, que se manifesta na influência exercida nas decisões políticas pelos prazos eleitorais… A lógica do urgente desestrutura a nossa relação com o tempo, sempre subordinado ao momento presente. É neste contexto que se inserem a falta de ambição colectiva das nossas sociedades, a extenuação do desejo, o nosso medo difuso, o retrair-se para os interesses individuais, a carência de perspectivas.» (p. 12)

domingo, 11 de agosto de 2013

Filantropia...


«Há uns meses, numa visita aos Estados Unidos, uma jovem disse-me que eu devia ficar maravilhada quando visito cidades como as do Texas, repletas de arranha-céus. Respondi-lhe que não olho para o topo dos prédios, mas para a... entrada. É lá que encontro sem-abrigo, desempregados... Se as pessoas olhassem em volta, não precisavam de ir para África ajudar, podiam fazê-lo onde vivem. O espírito de comunidade pode ser despertado se as pessoas treinarem os olhos para verem quem precisa de ajuda.»

Citação transcrita da entrevista dada à revista «Visão» de 1 a 7 de agosto de 20013 por Leymah Gbowee, uma das premiadas com o Prémio Nobel da Paz em 2011. É original da Libéria, ativista e fundadora do Grupo de Mulheres pela Paz na Libéria, para além de mãe solteira de seis crianças.

 
(Fotos de Google: 1ª - a própria Leymah; 2ª - uma foto que, na minha ótica, simboliza o ser filantropo, o ser solidário... alguém que dá o pouco que tem a quem mais precisa e está mesmo ali ao lado.)


Cinema e Sonoridades...

Ontem, finalmente, tirei um tempinho para (re)ver «Os Condenados de Shawshank», de Frank Darabont (1994), que adaptou ao cinema um romance de Stephen King. (Obrigada, C.!) Há uma cena dedicada à importância que a música pode ter para quem vive numa prisão, como é o caso das personagens principais do filme. Assim, a certa altura, uma delas, Andy Dufresne, interpretada por Tim Robbins, consegue pôr uma área de ópera a ouvir-se por todo o recinto prisional, deixando paralisados e estupefactos de prazer todos os condenados que lá cumpriam a sua pena. Depois de um castigo de uma semana passada na solitária, a personagem conversa com os amigos e diz o seguinte:
 
«Precisamos de música para não esquecermos... que há sítios no mundo que não são de pedra, que há algo dentro de nós onde eles não chegam, em que não podem tocar. É nosso. A esperança.»
 
 
Como proposta de sonoridade para hoje, não vou deixar a área de ópera com que, por momentos, Andy Dufresne «libertou» os companheiros de martírio, mas a canção If I didn't care, na interpretação do agrupamento The Ink Spots, que faz parte da banda sonora do filme e que eu acho muito bonita.
 
 
 
 

sábado, 10 de agosto de 2013