quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Das minhas leituras


Realmente é majestosa esta ilha onde tenho a sorte de viver. Nos dias de sol, como hoje, pelos caminhos que me conduzem até aqui (ao meu lugar dentro do lugar tão meu, que já é S. Miguel), apercebo-me sempre do milagre que é esta paisagem que me rodeia. Uau... por mais que a veja, não me canso, por mais que a fotografe, não a esgoto. É verdade que, de vez em quando, sinto aquela salutar necessidade de me afastar e vê-la de longe, todavia, levo-a sempre comigo. Sempre. Aliás, acho que é só porque a carrego em mim que consigo realmente apreciar e absorver outros lugares... muito diferentes do meu, parecidos com o meu, mais modernos que o meu, quem sabe mais civilizados que o meu, ou até talvez mais bonitos também, mas certamente não tão familiares nem amados como o meu. Aos meus olhos, claro.

José Luís Peixoto fala dessa consciência do «meu lugar» numa crónica que foi publicada na «Visão» há relativamente pouco tempo e que eu já li e reli de tanto que gostei, de tanto que me identifiquei com esse sentir... Fica aqui, com algumas supressões.

«Quando era pequeno, rodava sobre mim próprio com as pontas dos pés. Rodar-rodar-rodar: as formas a saírem dos contornos, as cores a misturarem-se demasiado rápidas e, depois, ao parar de repente, o chão como um barco debaixo da tempestade, a paisagem inteira a oscilar desgovernada, eu a tentar equilibrar-me e, ao mesmo tempo, criança, a apreciar esse caos. A seguir, a pouco e pouco, o horizonte abrandava e voltava a fixar-se.

Eu tenho um lugar. Por isso, nunca me perco no mundo imenso.

Posso estar a falar com a minha mãe, como há dois dias atrás, e ela diz-me: aquele sobreiro que fica entre o campo da bola e o Monte da Torre. E, entre tantos, eu sei exactamente qual o sobreiro a que se refere. Essa é a precisão com que sei o meu lugar. As ruas, calcetadas com paralelos, suportam o meu pensamento desde que nasci. Em gestos largos, os muros são caiados anualmente porque o branco precisa de renovação, a pureza é uma tarefa permanente.
(...)
Entre o que me puxa de um lado e de outro, há o meu lugar a manter-me firme, a fornecer-me equilíbrio infinito. A diferença de forças é incomparável. Por isso, nunca me perco no mundo imenso.Levo comigo uma origem e um destino. Levo comigo um sentido. Irreversível como um mergulho, não me perturbo. Eu tenho um lugar. Sinto que lhe conheço cada detalhe e, no entanto, todos os dias o exploro e lhe encontro novidade. No meu lugar, os sinos do adro dão as horas.
(...)
Assim, estou preparado para atravessar o mundo inteiro. E, se mais mundo houver, mais mundo será tocado pela minha pele. Mi-nha pe-le, palavras pronunciadas sílaba a sílaba. E nenhum continente é demasiado grande ou demasiado estéril para me impedir de atravessá-lo. E nenhum detector de metais conseguirá identificar o tamanho e os ângulos do lugar que levo comigo: amor. Repito: amor.

Eu tenho um lugar. Por isso, nunca me perco no mundo imenso. (...)»

(O excerto é da crónica «O meu lugar», de José Luís Peixoto, in revista Visão de agosto, 2013; as fotos são minhas.)
 
 

 
 
 

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