Hoje, na Antena 1, alguém dizia que a escrita de Vasco Graça Moura é feita de erudição e de intuição, de ironia e de melancolia, a «melancolia do homem que ama a literatura»... Depois, citaram este poema, intitulado «Insinceridade»... que eu, ignorante de tantos grandes escritores e de tantas grandes leituras, não conhecia, ou, por uma infeliz distração, não recordava.
insinceridade
quis-nos aos dois enlaçados
meu amor ao lusco-fusco
mas sem saber o que busco:
há poentes desolados
e o vento às vezes é brusco
nem o cheiro a maresia
a rebate nas marés
na costa de lés a lés
mais tempo nos duraria
do que a espuma a nossos pés
a vida no sol-poente
fica assim num triste enleio
entre melindre e receio
de que a sombra se acrescente
e nós perdidos no meio
sem perdão e sem disfarce,
sem deixar uma pegada
por sobre a areia molhada,
a ver o dia apagar-se
e a noite feita de nada
por isso afinal não quero
ir contigo ao lusco-fusco,
meu amor, nem é sincero
fingir eu que assim te espero,
sem saber bem o que busco.
Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"
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