sábado, 30 de novembro de 2013

Das minha leituras

Sempre achei que a Filosofia e a História surgem demasiado cedo nas nossas vidas, quando ainda não temos a maturidade para realmente assimilarmos os conhecimentos que nos proporcionam e entendermos a sua utilidade pela vida fora. Por isso, na maioria dos casos, tudo o que se aprende «fica pelo caminho», perde-se no tempo. No meu caso, embora tenha sido boa aluna (depois que Passos Coelho irrompeu na cena política, este conceito sofreu uma degradação semântica...) a História e a Filosofia, só muitos anos depois do ensino secundário é que realmente passei a olhar para estas duas disciplinas com outros olhos e comecei a sentir pena por não ter absorvido convenientemente (de modo sustentável, digamos) os saberes que me foram transmitidos. A minha História e a minha Filosofia não têm alicerces sólidos, por culpa da minha imaturidade na altura, mas também dos métodos de ensino que eram então utilizados, pois, diga-se a verdade, o verbo que melhor se conjugava nessas aulas era o «bocejar»...  
 
É por esta razão que, atualmente, tenho tentado variar mais a natureza das minhas leituras. Tenho tentado evitar estar sempre no âmbito da ficção, do romance, que adoro, e intercalar com ensaios que tenham a ver com a Filosofia ou com a História. A última leitura fruto desta preocupação foi A Filosofia como uma das Belas Artes, de Daniel Innerarity, do qual já havia lido outro livro, que também apresentei neste blogue. Neste livrinho, o filósofo restitui à Filosofia o lugar fundamental que ela deve ocupar na sociedade, rejeitando a arrogância de se assumir como uma ciência ou de se considerar suficiente como perspetiva do mundo, atitude que a caracterizou e a descredibilizou outrora. Para Innerarity, a Filosofia está ao nível de artes como a Literatura e necessita de aceitar a sua natureza interdisciplinar. Ela não pode ser o único modo de encarar o mundo, ela é uma das maneiras de o fazer e complementa-se com as outras que existem.
 
Fica aqui um excerto:  
 
 
«Os homens – entre os quais figuram os filósofos – têm constantemente muitas relações com a realidade, das quais uma – entre outras, é ou pode ser a filosofia. A cegueira – a corcunda que é motivo de regozijo para os homens «práticos» - surge quando se reduz esta pluralidade de relações com a realidade a uma única, porque isto conduz à perda da realidade. Todos nós somos cidadãos de vários mundos, cada um dos quais limita o poder dos outros e, deste modo, protegem-nos da agressão de uma única relação com a realidade. Desta pluralidade depende a nossa liberdade. A estupidez é o resultado de um ato de monopolização pelo qual uma destas relações se converte em poder único. A própria filosofia é assim ridícula quando – através de uma espécie de fundamentalismo filosófico – pretende fazer da relação peculiar com a realidade que ela é um poder sem rival, uma relação que exclui e substitui todas as outras. A sola filosofia é muito pouco sábia: não tardará a acabar esgotada pelo esforço, e terá conquistado o receio das suas antigas colaboradoras na tarefa de colocar o homem numa razoável trama de relações.» (pp. 150/151 da edição da Teorema)
 
 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Sonoridades

E a proposta  musical é «I wanna be yours», de Arctic Monkeys. Sugiro que seja ouvida em modo outra vez, outra vez, outra vez... até ao recolher obrigatório.
 
 
 

Estranhezas

Eu gostava de conseguir passar aos meus alunos o valor do CONHECIMENTO. Mas, tantas vezes, invade-me a desconfortante certeza de que, de todas as minhas realizações (ou quase) diárias, mensais, anuais, esta é a que mais se frustra...
 

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Sonoridades

Para a C.

A nova música dos U2. «Ordinary Love», da banda sonora do filme Mandela: a long walk to freedom.
 
 

domingo, 10 de novembro de 2013

Ondjaki

Ondjaki ganhou  o prémio José Saramago há uns dias. Isto não me entusiasmou, ou só me entusiasmou na medida em que é sempre bom saber que alguém ganhou um prémio. Não por ser o Ondjaki. Da sua escrita, só conhecia alguns excertos de contos, que fui encontrando nos manuais de Português do 3º ciclo. Nunca me impressionaram. Mesmo assim, no ano passado, comprei o livrinho Os da Minha Rua. Guardei-o. Nunca cheguei a ler. Entretanto, não porque o autor ganhou um prémio, mas porque uma explicanda minha me pediu que eu lhe sugerisse contos para uma apresentação oral, tirei-o da estante. Mais de um ano depois de o ter adquirido, precisei dele e levei-o para ser emprestado. Enquanto esperava pela moça necessitada de um conto, folheei o meu livrinho de histórias de Ondjaki e deparei-me com um excerto de que gostei muito. É o início de uma das duas cartas com que o livro termina. Trata-se da transcrição de dois exemplares de uma troca de correspondência entre Ondjaki e uma Ana Paula.  


«querida ana paula

         não sei exatamente onde estás, isto pensando que as frases que te queria entregar implicariam saber a tua localização geográfica, para depois equacionar a minha, mas logo entendi que não, que eu podia dizer estas coisas de outro modo, assim
         :
         escrevo-te de um certo sul
         ,
         porque às vezes dentro de nós faz sul
 
        e acabo de fechar um livro com aquela sensação esquisita (humana? metafísica?) que concluir um livro traz - como se a pele se imbuísse de certo fechamento, os olhos pedissem calma à luz e os sons ficassem terrivelmente delicados de se dizer e de se ouvir
         talvez esta carta seja o que eu não soube pedir aos outros, alguns dias de silêncio (...)»


Realmente, é um rapazinho virtuoso este Ondjaki... E não cheguei a esta conclusão por ele ter ganho um prémio. Este excerto é o meu fundamento. Claro que terei de ler outros para ter a certeza certezinha de que temos um escritor com o valor da intemporalidade que se exige a quem ganha prémios, mas confesso que, por enquanto, terei de ficar por aqui.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Sonoridades

Porque hoje é quarta-feira e a semana já pesa... Porque já vamos em novembro e o ano já pesa... Fica aqui esta proposta musical: «Cansei», de Silva.
 

domingo, 3 de novembro de 2013

Perfeito

«Um sol tépido a iluminar a paisagem de paz onde esse abraço se deu, forte e repousante.»



(A citação é de Miguel Torga, Diário, 1935; a foto foi tirada da página facebookiana «The Eyes of Children Around the World».)

Das coisas que oiço...

Hoje, na Antena 1, alguém dizia que a escrita de Vasco Graça Moura é feita de erudição e de intuição, de ironia e de melancolia, a «melancolia do homem que ama a literatura»... Depois, citaram este poema, intitulado «Insinceridade»... que eu, ignorante de tantos grandes escritores e de tantas grandes leituras, não conhecia, ou, por uma infeliz distração, não recordava.

insinceridade

quis-nos aos dois enlaçados
meu amor ao lusco-fusco
mas sem saber o que busco:
há poentes desolados
e o vento às vezes é brusco

nem o cheiro a maresia
a rebate nas marés
na costa de lés a lés
mais tempo nos duraria
do que a espuma a nossos pés

a vida no sol-poente
fica assim num triste enleio
entre melindre e receio
de que a sombra se acrescente
e nós perdidos no meio

sem perdão e sem disfarce,
sem deixar uma pegada
por sobre a areia molhada,
a ver o dia apagar-se
e a noite feita de nada

por isso afinal não quero
ir contigo ao lusco-fusco,
meu amor, nem é sincero
fingir eu que assim te espero,
sem saber bem o que busco.


Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"