«Não, não sou eu que esgoto o tempo, é ele que se perde dentro de mim. Não sou eu que recordo os sítios, são eles os únicos a realmente subsistir e reviver – não é a memória, afinal, a aprendizagem do invisível?
(Marcello Duarte Mathias, «No Devagar Depressa dos Tempos»)
Gosto do Joaquin Phoenix em qualquer versão, até mesmo com o bigodinho um pouco assustador com que protagoniza o filme «Her», de Spike Jonze (2013). Um filme que aborda a mais interessante capacidade que o ser humano tem, a de amar. Até uma voz, uma ideia. Apesar de a ação se desenrolar num futuro próximo, reconhecemo-nos desde logo no papel gigantesco que as novas tecnologias assumem na vida das personagens, conectando-as com o que está distante, mas alienando-as do que se encontra mesmo ao seu lado. No ambiente sufocante e frígido de uma grande cidade, as pessoas passam umas pelas outras apressadas e concentradas nas vozes que ouvem através dos auscultadores, com as quais conversam constantemente, dando ordens, ouvindo conselhos e estabelecendo muitas vezes relações mais íntimas do que com os seres de carne e osso com quem se cruzam ou partilham o dia a dia. É assim que Jonze cria um mundo onde desenvolver uma amizade com um SO (sistema operativo) ou mesmo apaixonar-se por ele é perfeitamente normal. É uma nova forma de amar e, por momentos, percebemos que pode ser bem sucedida e feliz, apesar da ausência de um rosto ou de um corpo que concretize a voz amada. Até porque é uma forma mais fácil de amar. A verdade é que os seres humanos são mais difíceis de amar, nem sempre se aceitam incondicionalmente, dececionam-se facilmente, mudam com o passar do tempo, acusam, fazem exigências impossíveis, ocupam demasiado espaço... Um SO é mais obediente, simples, pouco espaçoso, cativante... Só que um SO evolui diferentemente do ser humano. «Ensinámo-lo» a amar, mas a sua capacidade de amar não se satisfaz com a exclusividade que os humanos impõem ao amor romântico. Um SO, depois de aprender a amar, ama mais e cada vez mais... pessoas. E o amor romântico, tal como concebido por nós, não aceita tamanha pluralidade e dispersão...